O ano de 1929 começou como outro qualquer, até que começou a chover e não parou mais...
Durante a sua história, Sorocaba foi assolada diversas vezes com enchentes, como mostrava a noticia do Jornal Diário de Sorocaba de 5 de janeiro de 1887, onde relatava que além do ano da reportagem, os anos de 1879 e 1883, houve o transbordamento do Rio Sorocaba, sendo o mais assustador o de 1879, na qual as águas chegaram na Rua XV de Novembro.
Quando ocorriam essas calamidades, a crendice popular dizia:
“Quando o rio enche, ele só abaixa quando leva alguém, por isso cuidado”.
No ano de 1929, várias cidades do estado, incluindo a capital, São Paulo, foram atingidas por enchentes que marcaram a suas histórias.
Em Sorocaba começou com um janeiro chuvoso em suas primeiras semanas, mas a preocupação surgiu a partir da terceira semana, quando o nível do rio começou a aumentar, destruindo plantações e ameaçando as comunidades ribeirinhas.
No dia 15, as estradas se tornaram intransitáveis com buracos, deslizamentos de terra e quedas de pontes, o mesmo acontecendo com a ferrovia, na qual houve até sobreposição de trilhos na área próximo a São Roque.
Sorocaba estava literalmente isolada, podendo chegar ao máximo em Araçoiaba. Sendo que apenas os serviços telefônicos continuaram a funcionar, com lentidão pela demanda de ligações para uma pequena parcela da população que tinha esse serviço, mas felizmente a iluminação, após ajustes pela São Paulo Eletric, continuou a ser fornecida sem interrupções.
No dia seguinte a água já tinha invadido 15 casas na Vila Machado (próximo à Vila Amélia), 8 casas na Vila Leão ruíram, as oficinas da Sorocabana foram tomadas pelas águas e os desabrigados foram levados para o Teatro São Rafael.
Na madrugada dia 17, o nível do rio continuou a subir e várias famílias precisaram sair de suas casas fazendo as mudanças com botes e canoas e levadas para lugares seguros.
Um barqueiro contou ao repórter do Jornal Cruzeiro do Sul, que uma família, na pressa da retirada dos objetos de casa na Rua Leopoldo Machado, esqueceu o filho de 5 anos na casa. Somente depois que a maioria da família estava a salvo na Rua Cel. Cavalheiros, é que deram por falta da criança. Ele voltou a casa e a encontrou, chorando no alto de uma escada, enquanto as águas subiam.
Continuaram a cair casas e muros e dentre eles um longo trecho do muro do Cemitério da Saudade no lado da Rua Hermelino Matarazzo e 6 casas de uma vila na Avenida Cel. Nogueira Padilha.
Durante o dia, as chuvas diminuíram e o sol apareceu por boa parte da tarde e para auxiliar as vítimas das chuvas, foi montando o bando precatório que passava pela cidade recolhendo doações.
Com todo excesso de água que se havia, ela começou a faltar aonde não poderia: na torneira.
No dia 18 a chuva voltou a cair e o rio retornou ao nível anteriormente, mais prédios desabaram e até a capela do Cemitério Municipal apresentou rachaduras. Nesse dia a Represa de Itupararanga comunicou ao jornal que só estava liberando o excesso de água das chuvas, desmentindo o boato que a represa havia esvaziado por precaução.
No dia 19, com a calamidade que se encontrava a cidade, vários negociantes aproveitando a situação, sem razão justificada, além de ganância, aumentaram os preços de seus produtos, sendo necessário a prefeitura intervir para a normalização dos preços.
A falta do correio também começou a ser sentida, pela falta de informações que as cartas eram responsáveis por trazer tanto assuntos de questões pessoais, como também nas comerciais. O jornal até questionou sobre a possibilidade de utilizar o campo de aviação que ficava em Araçoiaba, para os aviões poderem amenizar os problemas do isolamento da cidade.
As chuvas diminuíram e o rio Sorocaba, conseguia gradualmente seguir seu percurso e reduzindo de nível, mas com as estradas obstruídas, começou a escassez de carne na cidade.
Moradores da Paróquia do Bom Jesus sentiram ligeiros tremores de terra na Estrada da Caputera, que segundo sugerido foi devido à infiltração exagerada da água, que provocaram desmoronamentos subterrâneos.
Na Rua São Bento na Livraria São Luiz de Luiz G. Vieira foi disponibilizada fotos da enchente para venda e havendo uma considerável procura.
No dia 20 reforça-se com cabo de aço a principal ponte da cidade, mas os pilares de pedra e cal de meados de 1850 resistiram heroicamente.
Foram criadas 4 cozinhas públicas para os necessitados, sob responsabilidade das senhoras e senhoritas da sociedade.
O médico Ernesto de Campos ofereceu serviços gratuitos às vítimas.
No dia 21, o sol dava finalmente as caras, mostrando que o pesadelo estava acabando, mas que a população ainda sofreria algum tempo com algumas consequências da enchente, como a falta de água que não se tinha prazo da restauração desse serviço. A população recorria a bicas, aos caminhões de águas disponibilizadas pela prefeitura e pelos” aguadeiros”, novo serviço criado mediante a um pagamento do transporte de água para as residências.
A Sorocabana por meio de baldeações com trechos a pé conseguiu trazer para a cidade os passageiros que haviam ficados ilhados em São Roque.
Outro serviço que também voltou a funcionar graças ao Cap. Manoel Nogueira Padilha, foi o postal com a entrega por meio de caminhão até o Alto da Boa Vista e a partir de lá por não ser possível a passagem, com a ajuda de carroça.
A partir do dia 22, as coisas começaram a entrar nos eixos, com a Sorocabana regularizando suas viagens com baldeações em dois trechos, os desabrigados continuaram a ter assistência da prefeitura, de grupos filantrópicos e doações de clubes como o Sorocaba Clube, Club União Recreativo e do E. C. Sorocabano.
As fábricas São Paulo e Votorantim, foram atingidas, mas já começavam a analisar seus estragos, muitas plantações foram perdidas na região, trazendo a falta de hortifrútis nos mercados sorocabanos.
A prefeitura iniciou a vacinação contra o tifo, para se evitar epidemias, que poderia vir em resultado da enchente. Regras como ferver água e não consumir alimentos crus foram passadas para população.
A Água Santa Angélica teve uma alta procura pela população, devido a sua pureza, analisada pelo Serviço Sanitário de São Paulo, que dispensava o aquecimento e que estaria livre para consumo de todas as idades.
Obras de saneamento básico eram feitos em Sorocaba através da prefeitura e em Votorantim por responsabilidade do Comendador Pereira Inácio.
No final do mês, na madrugada do dia 30, a Farmácia Coração de Jesus na Rua XV de Novembro teve desmoronamento parcial de sua cozinha, assustando Arnaldo Cunha, dono do estabelecimento e sua família.
No trajeto destrutivo da enchente várias pontes foram destruídas na região e dentre elas a ponte primitiva do Pinga-Pinga em madeira que seria reconstruída em concreto, 28 anos depois.
Dessa tragédia, segundo o historiador Aluísio de Almeida, morreram duas pessoas: uma em Santa Helena e outra por afogamento em Votorantim.
No dia 31 de janeiro, as águas voltam a circular nos canos consertados, pondo fim à falta de água na cidade.
O saldo de chuvas para janeiro foi de impressionantes 521,8 mm em 28 dias.
Curiosidade 1: Em 1891 com a necessidade de fazer uma nova estrada de ferro ligando Sorocaba a Votorantim, foi construída uma ponte por cima do Rio Sorocaba, que gerou diversos conflitos entre o Banco União e a Câmara Municipal, devido a um aterro que deveria ser feito na margem direita do rio, para se nivelar o terreno. Em caso de enchente o rio não se estenderia para a margem direita que era menos populosa, iria para o lado inverso. No fim o Banco União conseguiu convencer os vereadores que essa possibilidade desse acontecimento era “remota”.
Curiosidade 2: Comendador Pereira Inácio na década de 20, ajudou a prefeitura com o embelezamento da cidade, sugeriu na época a construção de barragens no Rio Sorocaba, para proteger a Rua Leopoldo Machado de possíveis enchentes.
Curiosidade 3: Em São Paulo, para registrar estas áreas atingidas pela enchente de 1929, a empresa Light demarcou algumas áreas atingidas pela inundação com pequenas placas de bronze. Ainda existe uma dessa no bairro do Bom Retiro.
Curiosidade 4: Ainda analisando a ficha de quantidade de chuva por ano em Sorocaba, notamos que abril de 1923, houve 891,8 mm em apenas 7 dias. Não encontramos nenhuma informação nos jornais desse mês mencionando esse grande volume de chuvas em tão pouco tempo.
*Agradecimento ao amigo historiador Adolfo Frioli, pelo auxílio nesse artigo.
Fontes:
Jornal Cruzeiro do Sul: 15/01/1929; 16/01/1929; 17/01/1929; 18/01/1929; 19/01/1929; 21/01/1929; 22/01/1929; 23/01/1929; 24/01/1929; 25/01/1929; 26/01/1929; 28/01/1929; 29/01/1929; 30/01/1929; 15/08/1937; 18/07/1941; 20/07/1941; 17/01/1969; 22/12/2007; 15/08/1980; 31/03/2013; 22/03/2014; 13/02/2020;
Site:
Arquivos Porphirio Rogich Vieira;
Fascículos 30.000 edições do Jornal Cruzeiro do Sul;
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